segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

FELIZ ANO NOVO!

TEMPO. Invenção humana. "Demasiado humana". Observamos que um bebê nasce e alguém um dia nos contou que assim também nos ocorreu. Porque nós não nos enxergamos como algo que passa a existir  de repente. Para nós, sempre existimos, no presente. Mas através da observação de nossos sentidos sobre as coisas, aprendemos que bebês nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem. E  nos percebemos como parte desse ciclo.

E assim, há muito tempo, algum observador assíduo sobre a materialidade do mundo inventou o tempo. A cronologia das coisas. Uma forma eficiente de nos situarmos no grande infinito do Universo. Ou dos multiversos. Assim como a fala, o tempo é completamente abstrato, uma representação humana.

Porque observamos que as formas das coisas mudam acreditamos que tudo tenha um início e um fim. E a partir dessa premissa inventamos as contas, os intervalos para calcular o que chamamos de "começo, meio e fim" de tais transformações que tanto encantam como chocam os nossos sentidos.

Se você honestamente buscar lembrar de si mesmo em sua infância - não dos momentos, das circunstâncias ou de sua aparência - mas, de como você pensava, o seu próprio eu -, você saberá que simplesmente se enxergava como você. Tal como é agora. Você não se vê como um "Eu" transitório, pois você se sente de forma permanente. Inteira. Tem consciência de que possui um passado e possivelmente um futuro, mas, você não se sente em outra temporalidade que não seja o presente. É como se você sempre tivesse existido. Porque você simplesmente não vê a si mesmo como algo temporal. Você apenas é aquilo que é. E assim se sentiu em sua infância e assim também o será na velhice. Você será sempre você. Presente. Constante. Eterno.

Os gregos antigos possuíam uma forma muito interessante de observar a temporalidade. Para eles existia aquilo que era finito e aquilo que era permanente. Nós, seres humanos, somos perenes, enquanto que a natureza, o Cosmos, o Universo, era imortal. Nós, esses indivíduos tão insignificantes, tínhamos duas possibilidades de permanecermos eternos: a primeira delas foi fornecida pela própria natureza, pelo meio da reprodução. Nossa descendência é uma forma de fazer com que a humanidade seja também eterna. A outra forma, seriam os grandes atos, as grandes contribuições realizadas por um ser humano que poderiam ser relembradas por toda a posteridade, através da História, algo digno de ser narrado através dos tempos, imortalizando tais indivíduos, transformando-os em heróis.

Já nos pensamentos de origem judaico-cristã há uma concepção escatológica do universo material. Ou seja, de que toda a matéria é mortal e finita. Imortais e eternos, seriam apenas Deus e as nossas almas. "Alma", aquela "coisa" que é ou está em você e que intui que você sempre esteve presente, que é algo que sempre existiu e que sempre haverá de existir.

É interessante observar, porém, que tanto gregos quanto judeus buscavam pela eternidade da consciência humana, do indivíduo. Enquanto um buscava a eternidade pela recordação da memória no decorrer do tempo infinito, o outro defendia a ideia de que o corpo, assim como o mundo, é apenas um templo, uma morada temporária de uma consciência imortal, a alma humana.

Talvez seja tempo de brincar novamente um pouco mais com tais concepções sobre o Todo. A nossa consciência é tão criativa, tão crédula e tão inventiva, que me parece triste demais prender-se de tal forma ao passado sem buscar imaginar uma realidade que seja nossa própria "intuição".

E se somos eternos, tal como os judeus e perenes, tal como os gregos? E se de repente eu me imaginasse como pluma, como oceano e como Lilian sendo uma coisa só, em temporalidades diferentes que fogem a minha compreensão, porque o TEMPO simplesmente não existe? Assim como eu não possuo mais a forma e tão pouco me recordo de mim aos 3 meses de idade, eu também não me recordo enquanto rocha ou leito de algum rio. Eu sou o que sou. E sou além do que as minhas lembranças me permitem recordar.

Assim como hoje eu me recordo de minha adolescência como uma "fase", na época eu não me sentia como a adolescente em uma fase transitória da vida. Eu me sentia como sendo puramente "EU".

Talvez seja a memória humana - essa nossa grande capacidade de compreender a existência de passado, presente e futuro -, a grande inventora do tempo. Mas como todo inventor, ela é simplesmente incapaz de adentrar em sua própria invenção. Um escritor jamais poderá realmente vivenciar as aventuras que criou em seu livro, por mais que se descreva como uma personagem dele.

Ou seja, o que existe é sempre o presente. Eterno, constante, assim como somos, assim como nos sentimos a todo o instante que chamamos de tempo.
Espero que esse nosso próximo presente - o qual chamamos 2013 - em que toda a forma que existe dará  as suas sutis e discrepantes transformações, todos nós, seres eternos e constantes, possamos aproveitar cada uma dessas oscilações, mudanças e progressos, sem medo; com a coragem e a alegria de quem possui a consciência de que tudo muda e, por isso, permanece.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

BEM VINDO AO CAMPO DAS POSSIBILIDADES INFINITAS

Existem coisas que são particularmente estranhas. Não é um tanto bizarro pensar que existam 3 campos supostamente sabidos, mas que experimentamos apenas um? Existem o macro, aquele que conhecemos e o micro. Sim, essa santíssima trindade. 
Os nossos sentidos são incapazes de vislumbrar por si só os universos macro e micro. Conhecemos a realidade pela forma como ela se apresenta aos nossos olhos, tato, paladar e ouvidos. Mas, de repente, vem a Ciências e nos diz: "existe a energia escura".
E a teoria das cordas? Que viagem. Adoro essas viagens. A criatividade humana e a sua forma infinita de conceber a vida é fascinante! Parece tão absurdo e tão... possível. Seria a ideia do eterno retorno em termos quânticos?

Imagine só. Existe o tempo que é infinito. E existe a matéria que é finita. Logo, existe um tempo infindável para que todas as possibilidades de combinação possíveis entre átomos sejam realizadas e repetidas, inifinitamente. É como se a 'profecia' de Nietzsche fosse concretizada:
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse:
'Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!'.
Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: 'Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!'" (A Gaia Ciência)
É particularmente fascinante imaginar esta vida que cá tenho agora e das escolhas que fiz que me fizeram chegar onde estou nesse exato momento. Com as suas alegrias e as suas tristezas. Essa é apenas uma dentre tantas possibilidades se manifestando pelo infinito. E que se repetirá, inifnitas vezes, tal como ela é.
Mas, isso faz pensar que também exista em alguma outra dimensão - ou tempo - um outro eu vivendo as outras escolhas que não fiz aqui nesse universo consciente. Talvez esse outro eu tenha uma filha, sei lá, chamada Dalila. Talvez eu esteja nesse exato momento caminhando em volta de um lago pensando em coisas práticas do dia a dia com um sorriso distraido nos lábios. Talvez eu esteja vivendo em uma outra cidade ou país. Uma outra história, sem dúvida. Que também se repetirá pelo eterno retorno.
Quantas vidas é possível viver com uma mesma composição corpórea? Quantas vidas diferentes podemos imaginar para nós mesmos com apenas UMA escolha simples e completamente diferente das que fizemos até agora? É quase como pensar no efeito borboleta, o do filme. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ORAÇÃO DA MADRUGADA

Não consigo dormir. Penso em você. Procuro não te imaginar e nem em te dar um nome, um gênero. Não penso que seja ente, que tenha um corpo ou que não o tenha. Sei apenas que há uma consciência em mim que é você. Que somos nós.

Inefável... 

Desejo. Pulso. Penso. O que tenho sido? Somos uma constante mudança, nesse nosso eterno devir. Quem eu sou agora e o que virei a ser amanhã? 

Já fui parte de uma explosão, o pó de estrelas caminhando pelo silêncio do universo. Quantas vezes essa matéria de que sou feita foi elenco de outras personagens (re)criadas no infinito? Por quanto tempo fui rocha e fui pluma? Por quantos caminhos andei? De quantos oceanos fui gota e quanta sede eu já pude saciar? 

Faço parte do Todo. Essa matéria que por ora me compõe um dia se fará monumento e no outro, ruína. Morremos e renascemos a cada dia. Desejo que esses pedaços de mim, de você, de nós, sigam o seu glorioso caminho. Instrumentos sagrados das possibilidades do infinito.

E que assim seja.

   

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

EU? PROBLEMAS COM DEUS?

Eu não tenho nada contra Deus. Nenhum deles. Mas, tenho contra as instituições que insistem em decretar QUEM É DEUS, do que gosta e do que deixa de gostar.

E se meu deus está no sorriso do meu namorado depois de um beijo nosso molhado? E se meu deus está na alegria da Parada Gay? E se meu deus está no meu cabelo despenteado que me fez rir pela manhã? E se meu deus está na paisagem que me tocou enquanto eu seguia em direção ao trabalho?

E se meu deus está em tudo aquilo que me dá um bom sentido para viver, para experimentar a vida? Quem é você para dizer onde meus deuses estão ou deixam de estar? Eu é que sei o que me é sagrado.


Humano, demasiado humano - Como diria Nietzsche


Essa é a igreja de São Francisco no Pelourinho em Salvador, Bahia. É uma construção riquíssima, banhada em ouro, cheia de esculturas magnificas (algumas delas mutiladas em seus órgãos genitais por terem sido considerados 'indecentes'), realmente deslumbrante e, sobretudo, irônica. Pois quem conhece a ordem de São Francisco sabe que um de seus princípios está justamente na abstenção dos bens materiais, bem como na simplicidade e na pobreza, consideradas virtudes seguidas como exemplo do próprio Cristo, em vida.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O CAOS EM BUSCA DE ORDEM




"É possível que tudo seja descrito cientificamente, mas, não teria sentido. 

É como se uma sinfonia de Beethoven fosse descrita como uma variação nas pressões de onda.

Como seria descrita a sensação de um beijo ou o 'eu te amo' de uma criança?"

(Este pensamento é atribuído a Einstein. E é bem provável que seja, pela sua genialidade).

Desde que Nietzsche divulgou a "morte de deus" reparamos que o trono, todavia, permaneceu ocupado. Agora não mais por uma entidade mágica que trará a cura através de milagres recompensados com sacrifícios humanos ou de outros animais. Mas por autoridades renomadas por currículos e diplomas, através de provas empíricas e irrefutáveis da realidade - recompensadas com um salário nem sempre gratificante.


E assim nasceu uma nova deusa chamada "Ciência". Ela insiste em nos dizer e em nos provar a cada dia, em cada invenção tecnológica, em cada vacina, que é ela a Verdade Absoluta. Mas, como diria Morfeu: o que é real?




 A Ciência é - assim como  a sua mãe Filosofia  e também Jeová, Allah, Zeus, entre outros - puro conceito. Eles servem para explicar as coisas. A diferença é que as meninas (Ciências e Filosofia) primam pela racionalidade, pela busca da compreensão humana pela razão, enquanto os garotões preferem tocar as sensações das pessoas, a sua emotividade, a sua busca por um sentido de existência. Um amparo.

Mas, o ser humano é um todo e não uma parte. Por isso a Ciência é insuficiente. E pelo mesmo motivo, as estórias mitológicas não são bem recebidas pela razão e permanecem como mitos, metáforas ou ainda - para aqueles que insistem em ignorar a consciência questionadora -: como "mistérios do além".

Nós precisamos tanto de poesia quanto de filosofia. Os seres humanos não buscam apenas compreender. Precisamos igualmente dar um sentido às coisas. Ou seja: senti-las! As pessoas, porém, não são apenas razão e sentido. São ainda mais complexas. Elas são egocêntricas, egoístas e, ao mesmo tempo, dependentes. Somos um caos em busca de ordem. Um antagonismo de coisas. E todas elas misturadas e que insistimos em separar, delimitar, para assim conceituar e (tentar) compreender.

Não possuo a genialidade de Einstein. Então preciso de muito mais linhas do que ele para dizer o mesmo: a Ciência pode explicar as pressões de onda de uma sinfonia, mas, não pode lhes dar um sentido, porque você precisa sentir para ser tocado.

Não há sentido quando se lê a teoria da gravidade. Você apenas entende a funcionalidade dela através da abstração matemática das fórmulas descritas. Mas, vá lá andar de montanha russa - ou de tiroleza! - para que assim possa experimentar o sentido da gravidade em cada poro de seu corpo arrepiado. 

Há uma outra expressão de quem não me lembro a autoria que reflete o mesmo pensamento: "eu não posso me embriagar apenas por conhecer os componentes do vinho".

Bridemos então a falta de lógica que é sentir e a falta do sentido que há em apenas saber! Levantemos nossas taças para agradecer ao belíssimo azul que compõe a camada de ozônio por cada tentativa nossa frustrada de buscar separar o sentimento da razão! Por permanecermos inteiros, completos, por mais que tentemos nos mutilar...


  

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

DESCENDO DO TOPO

Quem não se lembra das aulas de biologia que tivemos ainda no ensino fundamental sobre a cadeia alimentar? O grande predador, lá no topo, todo poderoso? Pois é. Eis a nossa concepção de força, de superioridade, de poder.

Observe apenas o fato:

Eu mesma! Que talento, não?



Temos a plantinha que se alimenta da luz solar. Logo em seguida, o peixinho que come a plantinha, o peixe que come o peixinho, o peixão que come o peixe e o pescador, capaz de pescar qualquer um deles. Pura e simplesmente, um fato.

E como aprendemos a interpretá-lo? Vejamos:

Eu assumo apenas os desenhos. A interpretação cabe a arrogância de todos os humanos.


Lá está a plantinha, na camada mais baixa da cadeia alimentar, por servir de alimento primeiro, é considerada frágil, impotente diante dos "mais fortes". Logo após, vemos o peixinho como o segundo fragilizado e assim prosseguimos até chegar ao topo. Tal como num ranking, lá está o mais poderoso, o mais privilegiado, o mais forte! O grande predador capaz de dominar - devorar - os demais componentes da natureza que estão a sua disposição.

Bem... Vocês não acham um tanto conveniente essa interpretação das coisas "como elas são"? 


Por que não exercitamos uma outra espécie de interpretação sobre quem seria o "mais forte" em vez daquela que privilegia o predador? Tal como essa:

Assumo o desenho e a interpretação espero que seja compartilhada por muitos.


Imaginemos uma interpretação em que o grau de força maior, de grandiosidade - o topo do ranking - privilegiasse o grau de independência dos seres. Quanto maior a dependência em outro ser para garantir a sobrevivência, mais frágil seria o componente dentro do quadro da cadeia alimentar. 

E vejam só: nesse caso quem vai para o topo é a plantinha! Pois ela precisa praticamente só da luz solar para se alimentar. Bem como o peixinho que precisa apenas dos componentes da plantinha para saciar-se. E através dessa concepção a humanidade desce do trono e vai compor a margem da cadeia. Veja só que coisa! Justamente nós que nos considerávamos assim tão poderosos.

Ah, mas é claro que existem os contestadores da "nova ordem" de percepção da vida! Nós, humanos, somos complexos, os únicos que possuem uma consciência amplamente desenvolvida, uma inteligência atípica e superior aos demais, o que nos proporciona grande poder de autonomia e de domínio sobre eles! 

Como dizer isso sem ferir ainda mais o nosso ego? Pois é. Essa é uma outra interpretação passível de ser refutada. Nunca deixamos de depender dos componentes da natureza para sobreviver. E pior:  devido a essa "tamanha inteligência" humana, acabamos por nos tornar duplamente dependentes do meio. Além de continuarmos a sê-lo perante a biodiversidade do planeta, tornamo-nos também dependentes da gigantesca e complexa cadeia social das prestações de serviços. Pois a maioria das pessoas pescam os seus peixes num freezer de super mercado e colhem os seus frutos e verduras nas prateleiras de uma feira livre de domingo.

Portanto, caríssimos, aceitem o meu convite de descer do topo e procurem olhar ao seu redor através de outros patamares. Exercitemos a criticidade acerca das interpretações do mundo. Afinal, verdades são meras concepções.



segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A BUSCA DA SUPREMACIA HUMANA NOS FEMINISMOS

A luta dos feminismos há muito tem sido: direitos iguais aos dos homens. Das cores ou etnias submetidas: direitos iguais aos dos brancos e a dos homossexuais: direitos iguais ao dos heterossexuais. Isso implica dizer que há várias lutas para ocupar conjuntamente o mesmo direito de usufruir do espaço social que por muito tempo pertenceu a supremacia do homem branco e hetero.

Mas pouco paramos para refletir - afinal, a luta ainda é gigante -, sobre o que seria esse espaço. Em quê ele é legítimo? Lutamos pelas mesmas liberdades, pelo mesmo poder (política) de atuação. Entretanto, muitos desses "poderes de ação" não seriam inadequados perante o meio? 

Trato aqui, pois, de uma questão que abrange a tão conhecida e naturalizada arrogância humana que é o seu habitual costume de atuar sobre o planeta: como se ele fosse uma propriedade sua. O patriarcado branco apenas incluiu a mulher (e as etnias submetidas) no rol planetário de suas propriedades, já que o mundo, supunham, pertencia a eles. Hoje, bradamos ferozmente que pertence a todos nós. Será mesmo?

Vou me delimitar aqui, enquanto mulher branca e hetero, ao que me compete: a igualdade de gênero. Acredito que os movimentos feministas em geral margeiam por diversos pontos polêmicos, que muita vezes se mesclam com os princípios de origens patriarcais. Um grande paradoxo. E penso muito a respeito disso. E considero compreensível que os feminismos também tenham arraigado em si conceitos e princípios que remetem a uma visão comum a do patriarcado sobre o mundo, afinal o movimentos se originaram em razão de um mundo machista e no meio de filosofias egocêntricas.

Estamos num mundo capitalista, de competição, de vitoriosos e perdedores. Vivemos ainda sobre a concepção de que o planeta e tudo que nele há é uma propriedade nossa, que podemos manipular à vontade - ainda que obedecendo a alguns preceitos éticos conquistados com o tempo, mas, ainda muito poucos.

Tornamo-nos tão abstratos que chegamos ao ponto de acreditar que uma interpretação empírica e científica sobre a natureza é a própria natureza em si e não a nossa concepção sobre ela. Ou seja, a nossa visão humana e, portanto, parcial aos nossos interesses e limitações.

Precisamos nos recordar sempre de que primeiro produzimos hipóteses e só depois colhemos provas, para que elas justamente cumpram a sua função de comprovar a veracidade ou não daquela premissa levantada. E o que isso significa? Que as próprias provas a serem buscadas estão condicionadas a um posicionamento anterior, a uma direção determinada. É como se existisse uma pluralidade de caminhos e então apontamos uma direção e lá colhemos os fatos que nos garantirão que, afinal, escolhemos certo. Que aquilo é o mais  verdadeiro ou correto.

É bem verdade que temos uma tecnologia e ciências medicinais, físicas, etc e tal incríveis! E sim, são feitos maravilhosos. Mas precisamos estar conscientes, que tais produções são consequências de um caminho que foi escolhido. Os indígenas da América do século XIV não eram inferiores aos europeus só porque possuíam uma "tecnologia" e estilo de vida completamente diferentes. Eles escolheram um caminho que levou aquelas consequências. Os caminhos são plurais. E a "verdade" é o que escolhemos, porque é um conceito humano.

Vejamos um pequeno exemplo: o discurso biológico cientifico e socialmente legitimado alega que o ato sexual foi feito para a procriação. Essa seria a sua razão de existir. E assim o concluíram a partir de uma observação empírica de que o resultado de determinados atos sexuais podem desencadear uma nova prole. E então eles determinaram que a Natureza criou o sexo para a reprodução da vida. E todo o sexo que é praticado com finalidades que fogem completamente a essa interpretação - como sexo anal, oral, homossexual (ou com anticoncepcional), foi decretado como anormal, antinatural, inútil ou em discordância com a nossa função terrena. Alguns atos foram mais intolerados que outros.

Mas se continuarmos a observar empiricamente, veremos que várias espécies na natureza praticam sexo homossexual. Porém, como não se encaixam na interpretação humana que resolveu decretar o que a natureza é, eles explicam que tais atos se tratam de um distúrbio natural, de uma anomalia.

Compreendem? É a própria natureza que passa a ser anormal (!) e não a interpretação humana que se faz sobre ela, tamanha a nossa arrogância. 

Desde tempos remotos baseamos a nossa filosofia, a nossa visão política e de mundo, as nossas religiões e ciências tendo o ser humano como o centro de tudo. E é compreensível, porque estamos condicionados ao nosso corpo e não podemos ver o mundo senão pelo prisma de nossos olhos e da mesma forma não podemos separá-lo de nossos interesses próprios. Porque simplesmente não podemos nos desvincular de nós mesmos.

No entanto, o que é urgente compreendermos é o fato de que FAZEMOS PARTE desse mundo. E é de nosso interesse que os demais componentes do planeta sejam respeitados. Mesmo que seja meramente por uma razão egoísta, sem qualquer empatia: Nós precisamos do todo.

Tal como crianças que quando bebês parecem se sentir o centro das atenções e, na medida que crescem, percebem que são parte de uma família, assim eu vejo a humanidade. Conforme o tempo passa, as sociedades (e não necessariamente os indivíduos) - porque têm memória - têm percebido que fazem parte de algo maior que elas próprias. E então o Direito deve procurar acompanhar essas mudanças, bem como as demais ciências e políticas. O problema é que existem indivíduos E indivíduos.

O discurso do aborto (seja ele pró ou contra) é um outro exemplo de como discursos biológicos e da luta pelo poder de ação individual - em sua concepção mais tradicional - ainda estão presentes em nossa atualidade. Eu me refiro a essa pressuposição tão arraigada de "veracidade histórica" que tanto tem legitimado o "eu" - ser humano - sobre o "resto", o planeta. 

A diferença é que no caso dos discursos pró aborto, a mulher se coloca como ser humano e, como tal, reivindica toda a supremacia desse ser supremo (o humano) para usufruir do seu direito de decidir do "eu" atuando sobre o "resto". Enquanto que o discurso contra o aborto é tradicional, de cunho patriarcal que continua colocando a mulher no rol dos "restos".

Mas, de uma forma ou de outra, o discurso arcaico em si, da arrogância humana, da sua concepção sobre si mesmo como centro do universo, que pode se basear e se legitimar em provas e em discursos tendenciosos para satisfazer o seus interesses próprios, continua o mesmo. Política, anyway, é um eterno jogo de poder: de poder fazer e de poder decidir sobre o que fazer com o resto.

Ainda não evoluímos o suficiente para compreender que somos parte do "resto". Se já tivéssemos evoluído, o "resto" deixaria de ser encarado como tal.

                               Foto: Henrique Llamas
                               https://www.facebook.com/H13Fotografia


domingo, 8 de abril de 2012

EU VEJO O MESMO QUE VOCÊ?

E se os nossos sentidos forem as únicas ferramentas disponíveis que temos para interpretar as coisas que nos rodeiam e a nós mesmos? Nesse caso, cada um vê e  sente o mundo de modo individual e insondável pelos demais que, naturalmente, também o enxerga e sente a sua maneira. Mas, se assim o é, como é que entramos em consenso?

Era uma vez...
Numa terra muito, muito distante o dia em que a cor que chamamos "vermelha" havia sido batizada de "BABU".

Séculos depois, desde que Florisbela nasceu ela aprendeu que aquela cor que enxergava chamava-se BABU. Mas sempre que olhava para aquele belíssimo tom, a pequena enxergava a cor que entendo por amarela. Para Florisbela, portanto, "BABU" era a cor amarela e não vermelha.

Pequeno Juan, por sua vez, desde que nasceu aprendeu também que aquela cor que enxergava era chamada de BABU. Mas Juan, sempre que olhava a cor, enxergava o que eu chamo de azul. Para Juan, "babu" é azul.

Como então Florisbela e Juan poderiam entrar em consenso sobre Babu? Isso seria possível?  É claro que sim. Eles se entendem muito bem! Pois toda a vez que vislumbram juntos a cor "vermelha", tanto um quanto o outro a chamam de "BABU". Mas em seu universo único, particular e insondável o que Florisbela vê é o "amarelo" enquanto "Juan",  azul.


Assim, talvez como mero devaneio, podemos supor que existam árvores cor-de-rosa, céus de esmeralda, águas amarelas e nuvens nos mais variados tons de lilás, a depender de quem os contempla. 

Será que o céu que eu vejo é o mesmo céu que você vê?