terça-feira, 28 de agosto de 2012

O CAOS EM BUSCA DE ORDEM




"É possível que tudo seja descrito cientificamente, mas, não teria sentido. 

É como se uma sinfonia de Beethoven fosse descrita como uma variação nas pressões de onda.

Como seria descrita a sensação de um beijo ou o 'eu te amo' de uma criança?"

(Este pensamento é atribuído a Einstein. E é bem provável que seja, pela sua genialidade).

Desde que Nietzsche divulgou a "morte de deus" reparamos que o trono, todavia, permaneceu ocupado. Agora não mais por uma entidade mágica que trará a cura através de milagres recompensados com sacrifícios humanos ou de outros animais. Mas por autoridades renomadas por currículos e diplomas, através de provas empíricas e irrefutáveis da realidade - recompensadas com um salário nem sempre gratificante.


E assim nasceu uma nova deusa chamada "Ciência". Ela insiste em nos dizer e em nos provar a cada dia, em cada invenção tecnológica, em cada vacina, que é ela a Verdade Absoluta. Mas, como diria Morfeu: o que é real?




 A Ciência é - assim como  a sua mãe Filosofia  e também Jeová, Allah, Zeus, entre outros - puro conceito. Eles servem para explicar as coisas. A diferença é que as meninas (Ciências e Filosofia) primam pela racionalidade, pela busca da compreensão humana pela razão, enquanto os garotões preferem tocar as sensações das pessoas, a sua emotividade, a sua busca por um sentido de existência. Um amparo.

Mas, o ser humano é um todo e não uma parte. Por isso a Ciência é insuficiente. E pelo mesmo motivo, as estórias mitológicas não são bem recebidas pela razão e permanecem como mitos, metáforas ou ainda - para aqueles que insistem em ignorar a consciência questionadora -: como "mistérios do além".

Nós precisamos tanto de poesia quanto de filosofia. Os seres humanos não buscam apenas compreender. Precisamos igualmente dar um sentido às coisas. Ou seja: senti-las! As pessoas, porém, não são apenas razão e sentido. São ainda mais complexas. Elas são egocêntricas, egoístas e, ao mesmo tempo, dependentes. Somos um caos em busca de ordem. Um antagonismo de coisas. E todas elas misturadas e que insistimos em separar, delimitar, para assim conceituar e (tentar) compreender.

Não possuo a genialidade de Einstein. Então preciso de muito mais linhas do que ele para dizer o mesmo: a Ciência pode explicar as pressões de onda de uma sinfonia, mas, não pode lhes dar um sentido, porque você precisa sentir para ser tocado.

Não há sentido quando se lê a teoria da gravidade. Você apenas entende a funcionalidade dela através da abstração matemática das fórmulas descritas. Mas, vá lá andar de montanha russa - ou de tiroleza! - para que assim possa experimentar o sentido da gravidade em cada poro de seu corpo arrepiado. 

Há uma outra expressão de quem não me lembro a autoria que reflete o mesmo pensamento: "eu não posso me embriagar apenas por conhecer os componentes do vinho".

Bridemos então a falta de lógica que é sentir e a falta do sentido que há em apenas saber! Levantemos nossas taças para agradecer ao belíssimo azul que compõe a camada de ozônio por cada tentativa nossa frustrada de buscar separar o sentimento da razão! Por permanecermos inteiros, completos, por mais que tentemos nos mutilar...


  

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

DESCENDO DO TOPO

Quem não se lembra das aulas de biologia que tivemos ainda no ensino fundamental sobre a cadeia alimentar? O grande predador, lá no topo, todo poderoso? Pois é. Eis a nossa concepção de força, de superioridade, de poder.

Observe apenas o fato:

Eu mesma! Que talento, não?



Temos a plantinha que se alimenta da luz solar. Logo em seguida, o peixinho que come a plantinha, o peixe que come o peixinho, o peixão que come o peixe e o pescador, capaz de pescar qualquer um deles. Pura e simplesmente, um fato.

E como aprendemos a interpretá-lo? Vejamos:

Eu assumo apenas os desenhos. A interpretação cabe a arrogância de todos os humanos.


Lá está a plantinha, na camada mais baixa da cadeia alimentar, por servir de alimento primeiro, é considerada frágil, impotente diante dos "mais fortes". Logo após, vemos o peixinho como o segundo fragilizado e assim prosseguimos até chegar ao topo. Tal como num ranking, lá está o mais poderoso, o mais privilegiado, o mais forte! O grande predador capaz de dominar - devorar - os demais componentes da natureza que estão a sua disposição.

Bem... Vocês não acham um tanto conveniente essa interpretação das coisas "como elas são"? 


Por que não exercitamos uma outra espécie de interpretação sobre quem seria o "mais forte" em vez daquela que privilegia o predador? Tal como essa:

Assumo o desenho e a interpretação espero que seja compartilhada por muitos.


Imaginemos uma interpretação em que o grau de força maior, de grandiosidade - o topo do ranking - privilegiasse o grau de independência dos seres. Quanto maior a dependência em outro ser para garantir a sobrevivência, mais frágil seria o componente dentro do quadro da cadeia alimentar. 

E vejam só: nesse caso quem vai para o topo é a plantinha! Pois ela precisa praticamente só da luz solar para se alimentar. Bem como o peixinho que precisa apenas dos componentes da plantinha para saciar-se. E através dessa concepção a humanidade desce do trono e vai compor a margem da cadeia. Veja só que coisa! Justamente nós que nos considerávamos assim tão poderosos.

Ah, mas é claro que existem os contestadores da "nova ordem" de percepção da vida! Nós, humanos, somos complexos, os únicos que possuem uma consciência amplamente desenvolvida, uma inteligência atípica e superior aos demais, o que nos proporciona grande poder de autonomia e de domínio sobre eles! 

Como dizer isso sem ferir ainda mais o nosso ego? Pois é. Essa é uma outra interpretação passível de ser refutada. Nunca deixamos de depender dos componentes da natureza para sobreviver. E pior:  devido a essa "tamanha inteligência" humana, acabamos por nos tornar duplamente dependentes do meio. Além de continuarmos a sê-lo perante a biodiversidade do planeta, tornamo-nos também dependentes da gigantesca e complexa cadeia social das prestações de serviços. Pois a maioria das pessoas pescam os seus peixes num freezer de super mercado e colhem os seus frutos e verduras nas prateleiras de uma feira livre de domingo.

Portanto, caríssimos, aceitem o meu convite de descer do topo e procurem olhar ao seu redor através de outros patamares. Exercitemos a criticidade acerca das interpretações do mundo. Afinal, verdades são meras concepções.



segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A BUSCA DA SUPREMACIA HUMANA NOS FEMINISMOS

A luta dos feminismos há muito tem sido: direitos iguais aos dos homens. Das cores ou etnias submetidas: direitos iguais aos dos brancos e a dos homossexuais: direitos iguais ao dos heterossexuais. Isso implica dizer que há várias lutas para ocupar conjuntamente o mesmo direito de usufruir do espaço social que por muito tempo pertenceu a supremacia do homem branco e hetero.

Mas pouco paramos para refletir - afinal, a luta ainda é gigante -, sobre o que seria esse espaço. Em quê ele é legítimo? Lutamos pelas mesmas liberdades, pelo mesmo poder (política) de atuação. Entretanto, muitos desses "poderes de ação" não seriam inadequados perante o meio? 

Trato aqui, pois, de uma questão que abrange a tão conhecida e naturalizada arrogância humana que é o seu habitual costume de atuar sobre o planeta: como se ele fosse uma propriedade sua. O patriarcado branco apenas incluiu a mulher (e as etnias submetidas) no rol planetário de suas propriedades, já que o mundo, supunham, pertencia a eles. Hoje, bradamos ferozmente que pertence a todos nós. Será mesmo?

Vou me delimitar aqui, enquanto mulher branca e hetero, ao que me compete: a igualdade de gênero. Acredito que os movimentos feministas em geral margeiam por diversos pontos polêmicos, que muita vezes se mesclam com os princípios de origens patriarcais. Um grande paradoxo. E penso muito a respeito disso. E considero compreensível que os feminismos também tenham arraigado em si conceitos e princípios que remetem a uma visão comum a do patriarcado sobre o mundo, afinal o movimentos se originaram em razão de um mundo machista e no meio de filosofias egocêntricas.

Estamos num mundo capitalista, de competição, de vitoriosos e perdedores. Vivemos ainda sobre a concepção de que o planeta e tudo que nele há é uma propriedade nossa, que podemos manipular à vontade - ainda que obedecendo a alguns preceitos éticos conquistados com o tempo, mas, ainda muito poucos.

Tornamo-nos tão abstratos que chegamos ao ponto de acreditar que uma interpretação empírica e científica sobre a natureza é a própria natureza em si e não a nossa concepção sobre ela. Ou seja, a nossa visão humana e, portanto, parcial aos nossos interesses e limitações.

Precisamos nos recordar sempre de que primeiro produzimos hipóteses e só depois colhemos provas, para que elas justamente cumpram a sua função de comprovar a veracidade ou não daquela premissa levantada. E o que isso significa? Que as próprias provas a serem buscadas estão condicionadas a um posicionamento anterior, a uma direção determinada. É como se existisse uma pluralidade de caminhos e então apontamos uma direção e lá colhemos os fatos que nos garantirão que, afinal, escolhemos certo. Que aquilo é o mais  verdadeiro ou correto.

É bem verdade que temos uma tecnologia e ciências medicinais, físicas, etc e tal incríveis! E sim, são feitos maravilhosos. Mas precisamos estar conscientes, que tais produções são consequências de um caminho que foi escolhido. Os indígenas da América do século XIV não eram inferiores aos europeus só porque possuíam uma "tecnologia" e estilo de vida completamente diferentes. Eles escolheram um caminho que levou aquelas consequências. Os caminhos são plurais. E a "verdade" é o que escolhemos, porque é um conceito humano.

Vejamos um pequeno exemplo: o discurso biológico cientifico e socialmente legitimado alega que o ato sexual foi feito para a procriação. Essa seria a sua razão de existir. E assim o concluíram a partir de uma observação empírica de que o resultado de determinados atos sexuais podem desencadear uma nova prole. E então eles determinaram que a Natureza criou o sexo para a reprodução da vida. E todo o sexo que é praticado com finalidades que fogem completamente a essa interpretação - como sexo anal, oral, homossexual (ou com anticoncepcional), foi decretado como anormal, antinatural, inútil ou em discordância com a nossa função terrena. Alguns atos foram mais intolerados que outros.

Mas se continuarmos a observar empiricamente, veremos que várias espécies na natureza praticam sexo homossexual. Porém, como não se encaixam na interpretação humana que resolveu decretar o que a natureza é, eles explicam que tais atos se tratam de um distúrbio natural, de uma anomalia.

Compreendem? É a própria natureza que passa a ser anormal (!) e não a interpretação humana que se faz sobre ela, tamanha a nossa arrogância. 

Desde tempos remotos baseamos a nossa filosofia, a nossa visão política e de mundo, as nossas religiões e ciências tendo o ser humano como o centro de tudo. E é compreensível, porque estamos condicionados ao nosso corpo e não podemos ver o mundo senão pelo prisma de nossos olhos e da mesma forma não podemos separá-lo de nossos interesses próprios. Porque simplesmente não podemos nos desvincular de nós mesmos.

No entanto, o que é urgente compreendermos é o fato de que FAZEMOS PARTE desse mundo. E é de nosso interesse que os demais componentes do planeta sejam respeitados. Mesmo que seja meramente por uma razão egoísta, sem qualquer empatia: Nós precisamos do todo.

Tal como crianças que quando bebês parecem se sentir o centro das atenções e, na medida que crescem, percebem que são parte de uma família, assim eu vejo a humanidade. Conforme o tempo passa, as sociedades (e não necessariamente os indivíduos) - porque têm memória - têm percebido que fazem parte de algo maior que elas próprias. E então o Direito deve procurar acompanhar essas mudanças, bem como as demais ciências e políticas. O problema é que existem indivíduos E indivíduos.

O discurso do aborto (seja ele pró ou contra) é um outro exemplo de como discursos biológicos e da luta pelo poder de ação individual - em sua concepção mais tradicional - ainda estão presentes em nossa atualidade. Eu me refiro a essa pressuposição tão arraigada de "veracidade histórica" que tanto tem legitimado o "eu" - ser humano - sobre o "resto", o planeta. 

A diferença é que no caso dos discursos pró aborto, a mulher se coloca como ser humano e, como tal, reivindica toda a supremacia desse ser supremo (o humano) para usufruir do seu direito de decidir do "eu" atuando sobre o "resto". Enquanto que o discurso contra o aborto é tradicional, de cunho patriarcal que continua colocando a mulher no rol dos "restos".

Mas, de uma forma ou de outra, o discurso arcaico em si, da arrogância humana, da sua concepção sobre si mesmo como centro do universo, que pode se basear e se legitimar em provas e em discursos tendenciosos para satisfazer o seus interesses próprios, continua o mesmo. Política, anyway, é um eterno jogo de poder: de poder fazer e de poder decidir sobre o que fazer com o resto.

Ainda não evoluímos o suficiente para compreender que somos parte do "resto". Se já tivéssemos evoluído, o "resto" deixaria de ser encarado como tal.

                               Foto: Henrique Llamas
                               https://www.facebook.com/H13Fotografia