quinta-feira, 22 de setembro de 2011

UMA PINTURA

Ontem eu sonhei com você. No sonho você estava feliz. Fazia frio. Mas o seu sorriso era quente. Não me lembro de muitos detalhes, pois as imagens estavam distorcidas em escalas de cinza. Senti saudades de você ou da imagem que eu pintei.

Pareciam os dias que eu vivi ao seu lado: a doce rotina, a perfeita fórmula da felicidade. Um sonho em escalas de cinza. Da cor da saudade. Ou da ilusão. Que importa? Que diferença faz um nome? "Sonho", "saudade", "ilusão"? Tanto faz. São meras imagens que só existem em minha cabeça, de qualquer forma.

E então eu acordei e me lembrei do seu sorriso frio naqueles dias quentes. Eu desejei profundamente que o sonho voltasse e que as imagens que pintei fossem verdades. Mas não são. E eu tão pouco sei o que é real.

Lamento por eu não ter te enxergado, por ter tomado o seu corpo emprestado e feito dele o desenho de um herói, de um ideal que criei para mim. Lamento, sobretudo, por não conseguir me lembrar de você. Apenas de uma pintura.


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

SILÊNCIO

Silêncio que não é silêncio.
Porque se dito se acaba.
Se ouvido se esvai.
Se percebido se quebra.

Em minha mente se quebra.

O que seria o som do silêncio?
O som do "S" ou a ausência do "S" de "som"?

O que ouvem os surdos?
Na ausência das palavras ditas?
Na quietude do abstrato?

Por que existe "silêncio"?
Para quê nomeá-lo?
Para desfazê-lo ao chamá-lo?

Por que a minha mente não se cala e apenas escuta?
Como seria a sinfonia da ausência?

Da ausência de um significado?


domingo, 4 de setembro de 2011

SABER, SER, SEM SABER

Eu não sei mais quem sou.
Procuro-me em vão
pelos vãos do passado
que se vão a cada instante que passa.

Um dia eu tive certeza de quem eu era
Daquilo que fui e não sou mais.
Posso não saber mais quem sou,
Mas sei que agora sou o que não fui outrora.

Porque antes eu me sabia.
E hoje eu não sei mais.
Ontem eu era a certeza
Hoje eu sou a dúvida.

Sou aquilo que não era
Logo, eu era aquilo que não sou?
Isso não faz sentido.
Eu não faço sentido.






sábado, 16 de julho de 2011

OS SEUS OLHOS CASTANHOS

Os seus olhos são tão belos, mas, não me basta contemplá-los. Instiga-me saber o que há por trás deles. Que segredos guardam, que recortes fazem da realidade? O que eles selecionam para si? O que fotografam, afinal? Quero te conhecer por trás desses olhos, o que eles escondem! O que eles vêem quando se fecham...

Conheço cada marquinha que se desenha quando sorri com esse seu magnífico sorrir com os olhos. Conheço a sua seriedade quando se concentram num determinado ponto do vazio que só você vê. Ou quando encabulados presenteiam-me com duas piscadelas rápidas e gentis. Ou quando choram. Ah, como eles são belos quando estão molhados.

Mas nada disso é capaz de me fazer ver através da pupila dilatada, além de meu reflexo em sua íris, desse castanho profundo e misterioso que me observa sem pudores, sem um desvio sequer. Que estará procurando em mim? O mesmo que procuro em você?

Quando você dorme, eu te observo com os seus olhos fechados. Como eu gostaria de abri-los sem que percebesse para pular essas janelas e assim visitar os seus sonhos, conhecer os seus pensamentos. Um desejo mesquinho e egoísta, eu sei. Invadir essa tão bela liberdade, esse universo particular que somos cada de um nós.

Mas eu não posso controlar os meus desejos e não há nada que eu possa fazer para realizá-los. Só me resta acreditar em suas palavras, interpretar os gestos que nunca são ditos e contemplar esse magnífico enigma que me olha nos olhos. Tão próximo ao meu toque e tão longe do meu alcance.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

ABSTRAIA

As coisas não são o que sabemos. O que sabemos são reles abstrações. Uma coisa (qualquer coisa) é simplesmente aquilo que é. Uma outra coisa é o que pensamos sobre ela.

Eu posso inventar fórmulas para descrever as engrenagens da natureza, eu posso (tentar) entendê-la. Mas, a natureza não é aquilo que inventei. A água não é composta por duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. Ela é o que é.

Oxigênio, hidrogênio, são apenas palavras, abstrações como todas as outras que criamos para transferir através de dados abstratos a realidade que sentimos como... realidade. Saber a composição da água te torna capaz de matar a sua própria sede?

Mas, o que isso significa? Nada. Não é necessário discordar. Isso também são apenas palavras. Abstrações. Vá beber o seu copo d'água e me deixe aqui com elas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ROSAS ARRANCADAS

Agradeço o buquê
Mas para quê oferecer
Rosas arrancadas?

Seria uma demonstração de afeto
Arrancar da existência e roubar aos poucos
A beleza e a vida para exibi-la aos outros?

Pensando bem,
Você pode estar certo.
Talvez seja mesmo esta
A demonstração mais correta
Do seu afeto.

terça-feira, 26 de abril de 2011

ESPERANÇA EM PERSPECTIVA


Você é a culpada. Sim. Você, Esperança. Maldita, Esperança! É você quem prorroga a ilusão, a angústia e o sofrimento. Realmente é a última que morre, junto com o seu hospedeiro. Quando não mais puder sugar-lhe a verdade, aquela que realmente promove a vida, a liberdade.

Você mata aos poucos e cruelmente, Esperança. Ludibria a todos disfarçada de boa moça, provocando doces ilusões que escondem as verdades dolorosas. Mas a realidade é também composta pela dor, pelos sofrimentos que são capazes de dar contorno e vida às alegrias. A dor é necessária. Ela é quem promove a verdadeira forma do prazer.

Você mente. Você promove falsas alegrias que não possuem formas, contornos ou limites reais. São apenas miragens na superfície, sem consistência, sem profundidade. Que faz do iludido um mergulhador ávido para se jogar de cabeça e quebrar o pescoço no mais denso pó do deserto do vazio.

Mas, não fará isso comigo, Esperança. Eu prefiro mergulhar até o fundo do oceano de meus sofrimentos e com meus próprios esforços tentar chegar à praia de minhas alegrias. Não me iluda. Não me prometa oásis.

Eu não acredito em você. Não mais.
Assinado: O desiludido.


Minha doce e querida Esperança,

Você é a luz que me guia! É o passo possível no escuro! O lampejo de luz entre as sombras! Pois quando tudo é trevas, como um farol em meu coração, você ilumina o meu caminho e me dá a coragem necessária para avançar. Sem você, Esperança, eu permaneceria estagnado em meu medo sem motivos para prosseguir.

Você me aponta horizontes desconhecidos quando tudo o que sinto é o abismo. E então há sempre um novo caminho a seguir. Você me diz que existem tantas possibilidades a experimentar! Quando eu te escuto o meu coração se aquece e a vida parece ter um novo sentido em continuar. Tu és a doce fagulha Divina em minha alma! Que reine abundante em meu peito! Que guie sempre os meus passos e acalente o meu coração!

De seu servo e amigo,
Ser humano.